quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Mosaico

Tampo de mesa feita / vidros coloridos importados

O Homem Medieval à procura de Deus

Formas e conteúdo da experiência religiosa
André Vauchez

            Arte e Espiritualidade

A Igreja tentava elevar um povo ainda rude e mal instruído além dos requisitos puramente materiais, fazendo-o pressentir a existência de uma realidade superior. Para isso, não hesitou em utilizar os recursos da arte, ao mesmo tempo expressão de uma vida espiritual intensa – a dos clérigos – e meio para os leigos vislumbrar a grandeza e a infinita riqueza do mistério divino.....

.......Muito se falou da “Bíblia de pedra”, que essas obras ofereciam ao olhar dos humildes. Não é incontestável que a intenção pedagógica tenha sido primordial para aqueles que mandaram executá-las, e seu objetivo parece ter sido, antes, provocar um choque emotivo, capaz de se prolongar em intuição espiritual. Em uma religião em que o culto era o ato essencial, a principal função da casa de Deus era oferecer aos mistérios divinos um cenário digno da sua grandeza. Mas a beleza das formas não se limitava a ser adequada ao caráter sagrado do oficio litúrgico. A igreja de pedra, símbolo da grande Igreja, povo dos redimidos, devia proporcionar aos fiéis um prenúncio da beleza do céu.  Segundo essa doutrina, cada criatura recebe e transmite uma iluminação divina segundo as suas capacidades, e os seres, assim como as coisas, são ordenados em uma hierarquia, segundo o seu grau de participação na essência divina. A alma humana, envolvida na opacidade da matéria, aspira a voltar a Deus. Ela só pode conseguir isso através das coisas visíveis, que, nos níveis sucessivos da hierarquia, refletem cada vez melhor a sua luz. Pelo criado, o espírito pode assim remontar até o incriado. Aplicada ao campo da arte, essa concepção das relações entre 0 homem e o divino levou a multiplicar nas igrejas objetos como pedras preciosas ou obras de ourivesaria sacra, que, por sua irradiação, podiam ser consideradas como símbolos das virtudes e ajudar o homem a elevar-se até o esplendor do Criador. Do mesmo modo, a luz, filtrando-se através dos vitrais, estimulava meditação e conduzia o espírito para Deus, de quem ela era o reflexo...... “Pela beleza sensível, a alma adormecida se eleva até a verdadeira Beleza e, do lugar onde jazia, ela ressuscita para o céu, ao ver a luz destes esplendores.”.....

......Não existe, pois uma única, mas duas espiritualidades da arte na época medieval: uma aceita e até procura a mediação do sensível; a outra recusa a analogia entre a beleza do mundo e o esplendor do além....... A função da arte se limita então a favorecer 0 recolhimento do homem em si mesmo, que o faz nascer para a vida interior.....

........No século XIII, foi um caminho intermediário entre essas duas concepções antagonísticas que acabou por triunfar nas grandes catedrais g6ticas do noroeste da Europa. De Chartres a Salisbury e a Estrasburgo, toda uma serie de grandes edifícios sacros foram então construídos ou reconstruídos no coração das cidades episcopais, com 0 objetivo de manifestar a realeza do Cristo, à qual a sua mãe era muitas vezes associada, como indica a presença, cada vez mais frequente à medida que se avança no tempo, do tema da coroação da Virgem no tímpano do portal principal. Esculturas, vitrais coloridos, mosaicos de pavimento contribuíam para fazer dessas vastas casas de Deus edifícios luminosos e cintilantes... tudo isso visava proporcionar a quem entrasse um sentimento de unidade e de despojamento...

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VAUCHEZ, André. A espiritualidade na Idade Média Ocidental (Séc VIII a XIII). Trad.: Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.