sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Arte e Meditação


7/1/2013 9:17

Por Frei Betto - do Rio de Janeiro

A arte, como a meditação, nos induz ao mergulho no próprio eu
arte, como a meditação, nos induz ao mergulho no próprio eu
Participei, em fins do ano passado, de três encontros com grupos de oração em torno do tema arte e meditação. Toda obra de arte é sacramento, sinal sensível do que não se vê e, no entanto, ela expressa. Dela emanam sinais polissêmicos. Ela “fala” a cada observador. E este estabelece com ela uma relação sujeito-sujeito, dialógica, interativa. A arte desperta-nos a intuição e a emoção. Nos re-liga com algo que, até então, escapava à razão. Daí sua relação com a religião. Ela emite sinais que não são controlados nem pelo artista nem pelo apreciador.
A arte, como a meditação, nos induz ao mergulho no próprio eu, lá onde o ego se desfaz qual botão de rosa a se abrir em flor, e nos aproxima da ideia de beleza e harmonia. Enleva-nos, faz-nos apalpar o Mistério, balbuciar o impronunciável.
Ao contemplar ou desfrutar da obra de arte – pintura, balé, música – ela se metaboliza em nossa sensibilidade. Ao meditar, refluímos os cinco sentidos no núcleo axial que nos remete ao verdadeiro eu e que, na verdade, é um outro que funda nossa verdadeira identidade.
O que é, hoje, obra de arte? Há uma dessacralização da arte. O início desse processo talvez possa ser demarcado pela obra “A fonte”, de Marcel Duchamp, criada em 1917, e representativa do dadaísmo. Trata-se de um urinol de porcelana, idêntico a milhares encontrados em mictórios públicos. Exposto em Paris, está avaliada em 3 milhões de euros.
Hoje em dia o valor da obra de arte, sua aceitação pelo público, tem muito a ver com a performance do artista. Vide os cantores pop. E é o mercado, apoiado na mídia, que determina o que tem ou não valor.
Muitos artistas morreram sem serem reconhecidos, como Van Gogh, que em vida jamais vendeu uma tela. Presenteou seu médico com o quadro “Rapaz de quepe”, que o doutor aproveitou para tapar um buraco no galinheiro de sua casa… Há pouco esta tela foi vendida por US$ 15 milhões!
Todo artista se julga digno de valor e reconhecimento. Isso, entretanto, depende dos críticos, da mídia, da reação do público. São raros aqueles que, mesmo sem cair no gosto do mercado, permanecem fiéis a seu talento criativo.
O que pode ser admirado hoje, pode ser desprezado amanhã. É o caso de um dos autorretratos de Rembrant. A cada vez que deixava a Holanda, a tela era assegurada em US$ 4 milhões. Uma comissão de peritos e críticos, que analisou todos os quadros atribuídos ao genial pintor holandês, concluiu que um dos autorretratos, embora assinado com o nome dele, não pode ser atribuído a ele. A obra caiu no ostracismo…
O nosso olho, a nossa sensibilidade para a obra de arte, são condicionados pela opinião pública. Esta tende a ser elitista. Considera arte o que atrai o público pagante; e folclore o que atrai pessoas desprovidas de recursos.
Não me agrada a adjetivação “arte popular”. Nessa categoria costumam entrar as obras de todos que não possuem suficiente erudição artística nem frequentam as rodas que se fecham em galerias sofisticadas ou palcos refinados.
A meditação, como a arte, exige cuidado, ascese, empenho, confiança na própria capacidade criativa. Tanto a arte como a meditação nos conectam com o Transcendente, nos fazem emergir da esfera da necessidade para a da gratuidade, dilatam em nós potencialidades que nos fazem “renascer”.
Não é sem razão que as religiões, sobretudo em suas liturgias, tanto recorrem à arte e têm sido, ao longo dos séculos, escolas de artistas. Quantos cantores e músicos estadunidenses não iniciaram sua arte em igrejas evangélicas!
Infelizmente o mercado nos impõe, pela mídia espetaculosa, o mero entretenimento como se fosse obra de arte. Nisso se parecem às liturgias que exacerbam nossa emoção sem nada acrescentar à nossa razão e, muito menos, ao caráter ético de nossa ação. Vide as showmissas.
A arte não há de ser de esquerda ou de direita, moralista ou inescrupulosa. Há de ser bela. Consta que eram nuas todas as esculturas e figuras pintadas por Michelangelo no Vaticano. Até que um papa escrupuloso pediu a Daniele Volterra, discípulo do genial artista, para cobrir com uma pincelada os órgãos genitais… censura removida recentemente por peritos japoneses. Volterra ganhou o apelido de “Il Braguetone”, O Braguilha…
Todo artista é clone de Deus. Extrai de sete notas musicais, dos movimentos do corpo, do desenho, do barro, do modo de narrar uma história, o que há de belo no humano e na natureza. Recria ao criar. E sempre o faz partir de um estado de concentração comparável à meditação.
Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista – uma visão holística da natureza” (José Olympio), entre outros livros. http://www.freibetto.org – twitter:@freibetto.

Fonte.....http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/arte-e-meditacao/566880/

sábado, 5 de janeiro de 2013

ARTE - VITRAL NA IDADE MÉDIA

Detalhe..... Catedral de Chartres


Janelas do Paraíso
Lúcia C. Zucchi

O estilo gótico é o desenvolvimento lógico do românico - próprio da Alta Idade Média - e este, por sua vez, baseia-se nos princípios herdados da arte greco-romana.
Os romanos construíam arcos redondos, apoiados em duas extremidades e fechados por uma única pedra em forma de cunha, que pressionava os demais. É o chamado arco de meio ponto.
Os arquitetos românicos desenvolveram essa técnica, criando a abóbada, formada por arcos contíguos. Um dos inconvenientes da abóbada românica é a exigência de grossas paredes de pedra para apoiá-la, dificultando a abertura de janelas nas construções. O custo era grande e o edifício ficava pouco iluminado e mal ventilado.
Esse problema foi resolvido, na arquitetura gótica, cruzando-se dois ou três arcos no mesmo ponto do teto. Com isso o peso ficava dividido apenas entre quatro ou seis colunas, e não em toda a extensão da parede.
Outra invenção do gótico foi o arco-botante. Esse arco partia de uma pilastra exterior ao edifício e apoiava à coluna de sustentação da abóbada.
Com o tempo, os arcos redondos das portas e janelas foram sendo abandonados em favor do arco em ogiva, cada vez mais pontiagudo, que podia ser mais alto e provou ser mais resistente. Todos esses recursos proporcionaram paredes cada vez mais finas e janelas maiores.
Para a Idade Média, entretanto, não bastou encher suas igrejas de luz. Ela quis decompor a luz do sol em todas as suas cores, vivificando de modo admirável os interiores, através dos vitrais coloridos.
Desconhecidos pela Antigüidade - não há menção de janelas com vidros coloridos antes do século IV - e desprezados pelo Renascimento, que preferiu o vidro incolor, os vitrais tiveram seu desenvolvimento estreitamente ligado ao da arquitetura gótica.
À medida em que a técnica de construção foi se aperfeiçoando, a parede foi sendo gradativamente substituída por grandes vitrais. A tal ponto que se pode dizer que, a partir de um dado momento, a arquitetura gótica era elaborada em função do vitral. Houve então entre o construtor e o vitralista uma colaboração em vista do efeito mais rico e da decoração mais completa, procurando ao mesmo tempo o máximo de luz e o máximo de cor no interior das igrejas.
As leis que regem a composição dos vitrais têm características distintas das leis da pintura. Em primeiro lugar, as figuras dos vitrais têm apenas duas dimensões porque sendo atravessadas pela luz e não iluminadas pela luz ambiente, é inútil que procurem dar a ilusão de volume e de perspectiva.
Além disso, o vitral é um mosaico de vidro, montado para ser visto de longe, na escala da arquitetura. Se os observarmos de perto - em museus, por exemplo - notaremos que o desenho é sumário e só o efeito de conjunto é visado. As formas são destacadas sobre o fundo fazendo contraste: vermelho sobre azul, verde sobre vermelho. As barras de chumbo que circundam os contornos servem não apenas para reunir solidamente os pedaços de vidro mas também para realçar as formas com nitidez. O desenho - que só aparece onde é absolutamente necessário - é traçado em largas pinceladas e num só tom castanho.
O atelier do mestre vitralista era próximo à construção para que ele pudesse escolher as cores para cada vitral, conforme a orientação e a localização da janela e em harmonia com as cores dos vitrais mais próximos.
A função educativa dos vitrais era considerável. "As imagens dos vitrais são feitas unicamente para mostrar às pessoas simples o que elas devem crer", ensinava Gerson, no início do século XV. Nas janelas altas, os vitrais representavam, mais freqüentemente, personagens isolados ou, outras vezes, grandes cenas: Cristo, Nossa Senhora, anjos, os padroeiros da igreja, os patriarcas e os profetas, os apóstolos, os mártires, a Paixão, a Ressurreição, a Ascenção do Senhor. Nas janelas mais próximas do solo, os vitrais - chamados legendários - eram divididos em medalhões, compondo seqüências de ilustrações de uma história: passagens da Bíblia, vidas de Santos, os meses do ano, os ofícios, as virtudes e os vícios, etc.
A importância dada aos símbolos pelo pensamento medieval fez com que estivessem sempre presentes aos contemporâneos os significados transcendentes do vitral.
Com seus vitrais multicoloridos, a igreja gótica foi a representação material de Jerusalém celeste, símbolo por excelência da Igreja. Resplandecente de luz, transparente como cristal e ornada de pedras preciosas, a morada dos bem-aventurados, mostrada nas visões de São João, foi o ideal esplêndido para o qual tenderam os arquitetos góticos, desde o abade Suger, construtor da primeira igreja gótica.
As igrejas medievais orientavam-se sempre para o nascente. Aquele que nela entra pela manhã vai da região de maior sombra, junto ao átrio, para a de maior luz, onde está o sacrário. Sua caminhada é uma imagem da santificação, isto é, do progresso no conhecimento e no amor de Deus. Por isso, o abade Suger afirmava que, ao entrar na igreja, o homem não se encontra nem no limo da terra, nem na pureza do céu, mas, vivo ainda, Deus já lhe fala através da claridade espiritual.
A fabricação do vidro era outro símbolo da santificação. Pois assim como o homem, pó da terra, se purifica ao fogo do amor de Deus, assim também o vidro, feito de terra e cinza, funde-se ao fogo, transformando-se em matéria límpida e transparente.
A iluminação espiritual é representada ainda pelo vitral: "As janelas envidraçadas que estão nas igrejas e pelas quais (...) se transmite a claridade do sol, significam as Santas Escrituras, que afastam de nós o mal, enquanto nos iluminam", escrevia Pierre de Roissy, chanceler do capítulo de Chartres e diretor da escola de teologia, na época em que se construía a catedral, por volta de 1200.
Sua translucidez lembra o mistério da Encarnação, como, por exemplo, nesse sermão atribuído a São Bernardo: "Como o esplendor do sol atravessa o vidro sem quebrar e penetra na sua solidez com sua impalpável sutileza, assim o Verbo de Deus, luz do Pai, penetra na morada da Virgem e sai de seio intacto".
Assim como a luz, ao passar pelo prisma, se divide, assim também Deus quis que a luz de sua graça passasse através de Maria para ser distribuída a todos os homens. Por isso a Idade Média pôs, tão freqüentemente, no centro de suas rosáceas luminosas, a figura da Virgem, Medianeira de todas as graças, Mãe de Deus, Rainha do Céu e da terra, Fonte da luz da Verdade.


    Para citar este texto:
Lúcia C. Zucchi - "Janelas do Paraíso"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=arte&artigo=janelas&lang=bra